Os apartamentos de frente para a
Cândido Lopes, possuem um cômodo numa dobra, de frente à Americanas, em “L”, os quais consigo observar pela minha
janela.
A banheira está abandonada. A
cada dia acompanho sua lenta degradação, cada vez mais esverdeada e abarrotada
de folhas que caem de uma velha samambaia presa na parede posterior. Coitada
desta samambaia, nunca alguém a regou. Nem mesmo borrifadas d´agua, coisa que
eu sei que elas gostam. A não ser que isso seja feito em horários alternativos,
que não estou no escritório, tipo nove da manhã ou aos domingos. Alternativos,
ao menos para mim.
Silenciosa banheira – de vez em
quando iluminada por parcos raios solares curitibanos. O design é antigo, anos
setenta talvez. Também a julgar pelo
desfoque da cor. Mas estranho mesmo é o piso de carpete do cômodo. Será que o
sujeito que a instalou possui aversão a azulejo? Ou apenas guarda a banheira no
quarto de trás, onde já morava a solitária samambaia?
A banheira potencializa, dia após
dia, uma cena cinematográfica. A pintura na fibra está descascada, o que
aumenta ainda mais a sensação de abandono.
Talvez este escritório pertença
aos fantasmas, pois a janela da frente, vista pela pracinha da Americanas, está
sempre com as cortinas fechadas. Cansei de observá-lo, voltando ou indo ao Café.
Os panos já estão gastos e descoloridos pelo sol da face norte.
O que teria acontecido aos
moradores? E que ser excêntrico é este que instala uma banheira numa sala comercial?
Normalmente o banheiro é que é utilizado para isto.
Já arquitetei diversas
possibilidades de vislumbres na banheira, desde moças nuas com colares de
pérolas – típicas de filmes noir, a vítimas de psicopatas hitchcockeanos. Um
troço Janela Indiscreta pra caramba.
Já imaginei-a repleta de espumas,
com alguém bebendo uísque ou champanhe. Idealizei cenas totalmente
cinematográficas – não é todo apartamento que possui uma vista privilegiada
como esta. O quarto da banheira parece um cenário de filme, criado por um
produtor competente. A cena existe para ser notada e no caso, o voyeur sou eu.
Já conjecturei também surgirem
personagens masculinos. Por exemplo, um mafioso calvo e peludo falando no
celular ou um guri brincando com barcos piratas e polvos gigantes. Até mesmo
casais, tendo que se encaixar no ínfimo espaço, alternando pernas num balé
erótico.
Talvez aconteça diferente. Pense
em pedreiros invadindo o cômodo e reformando o espaço. Levando a banheira e a
samambaia com mãos pesadas de cal. Aliás, esta é a possibilidade mais viável.
Triste.
Com o tempo me afeiçoei a este
quarto. Talvez repouse neste vazio, alguma lembrança ou simplesmente seja
agradável olhar para o silêncio, estando no caos barulhento do centro.
Não sei o que será de mim sem o quarto
da banheira, no dia que alugarem para outro inquilino ou venderem a sala. A
existência dela, mesmo que desocupada, é que preenche minha rotina. Sei que
posso dar uma parada numa ilustração ou crônica de vez em quando, pegar uma
xícara de café e ir até a janela, observá-la. Sempre na esperança de algo
inusitado acontecer. Mas nunca acontece. E agora, acho que nem espero mais que
aconteça.
É como olhar para uma casa de
lambrequins fechada, entregue à inospitalidade de um bosque largado.
O local é uma locação pronta. Se
abrir aquela torneira, as folhas ficarão boiando em líquido verde musgo. Criará
um mini pântano intimista.
Já vi diversas lagartixas
caminhando entre as folhas. Às vezes elas ficam estáticas, durante horas. Arte
que é própria da lagartixa. Às vezes me sinto como aquela lagartixa, parado em
frente à janela do escritório, olhando para o nada.
Vai que o apartamento é habitado
por lagartos, e a rapariga que um dia verei se banhando terá cara de iguana?
Enquanto não aparece ninguém no
quarto da banheira, eu continuo a observá-la. E enquanto ele existir, eu
trabalho melhor.
Talvez eu seja o cara que utilize
a banheira, ao menos em vigília, deito-me sobre sua estrutura de folhas.
O Tijucas é cheio de micromundos
secretos, camadas de tecidos sobrepostas. Imagine o que não existe por trás de
cada porta.
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